Momentos de Transformação (eventuais inserções curriculares
)
1. O primeiro momento diz respeito às
transformações ocorridas no campo da
sexualidade. Trata-se de tudo aquilo que ocorre com o ser humano em seu processo de individuação (ou
autoconhecimento), seja como homem ou
como mulher. Examinam-se desde as implicações
culturais de se nascer “menino” ou “menina” até as mudanças físicas da puberdade, bem como as definições
emocionais, sociais e religiosas
emergentes a cada passo. Convida-se o educando a
examinar o momento atual de sua maturidade masculina ou feminina, dando-lhe a certeza da continuidade das transformações, enfatizando-se a importância do
desenvolvimento da consciência de tal
movimento de transformações.
2.
O segundo momento
diz respeito às implicações no campo da saúde. Examinar-se-ão as transformações
decorrentes da passagem de estados patológicos para os estados de sanidade e
vice-versa. Será especialmente tratada a questão dos aspectos psicossomáticos
das doenças, ressaltando-se a ênfase hoje colocada na chamada medicina
holística ou alternativa, que insiste no poder da autocura. Sim, se
inconscientemente geramos uma doença, há que se entender que conscientemente
teremos a oportunidade, pelo menos, de contribuir para a sua cura. Será também aprofundada a noção trazida na
obra A Doença como Caminho, de
Rudiger Dalke e Thornwald Diefenthaler, onde os autores sustentam a relevância
da doença como percurso para o autoconhecimento. Diante do sintoma de uma
moléstia o paciente deve sempre indagar o porquê de ter sido atingido por
aquele quadro patológico.
3.
O terceiro
momento de transformação diz respeito à questão da interação mais íntima do ser
humano com o universo, no que tange à ingestão de alimentos ou drogas. São
tratadas as transformações inconscientes, advindas do uso inconsequente de tais
alimentos ou drogas. Procuro deixar patente que não se trata de qualquer
indicação de regimes vegetarianos ou macrobióticos. O indivíduo, atento ao
momento vivido, perceberá o nível de transformação que está ocorrendo em seu
corpo, podendo, então, superar os níveis de ignorância com que vinha atuando a
seu próprio respeito. É preciso sempre deixar claro que o aprofundamento do
nível de consciência dos educandos deverá sempre implicar na importância da
percepção da existência da “liberdade”, como elemento indispensável ao
autoconhecimento. É impossível “forçar-se” o percurso desse caminho de
individuação. Caberá, isto sim, ao educador, provocar seus educandos a
iniciarem-se em tal
Caminho, para a vivência de uma verdadeira “libertação” dos
atos praticados inconscientemente.
4.
O quarto momento
trazer-nos-á a questão das transformações ocorridas no campo da afetividade.
Cuidará da incrível tarefa, hoje já ressaltada por inúmeros obstetras, do contato
afetivo. Tais obstetras nos dão conta de que a criança ao nascer deverá ser
colocada em contato com o corpo da mãe ou do pai, em lugar de ser recolhida em
um berçário. Esse contato afetivo, que no futuro significará o saudável
“pendurar-se no pescoço” vai se perdendo hoje, por força exatamente das
transformações inconscientes, decorrentes de normas culturais, religiosas ou
escolares. Chegamos ao mundo adulto dando beijos formais, apertos de mão insensíveis
ou abraços distantes e rápidos. Assim, cuidar-se-á nesse ponto da atenção a ser
desenvolvida em nossos contatos com o Outro, naquilo que é “chamado” de
afetividade. É preciso transformar tais contatos em ações conscientes e
significativas, verificando ainda as mudanças de relacionamento, que tal postura
trará ao nosso cotidiano.
5.
O quinto momento
na sequência, diz respeito à questão do repouso. Uma simples observação da
forma como um gato ou cachorro esticam-se no solo, comparada com a postura adulta
(e às vezes já infantil) do ser humano sentar-se, nos dá a medida da
importância desse momento de transformação.
Nosso corpo vai se tornando tenso e rígido com inevitáveis transformações
na coluna e com as conseqüentes dores musculares. Uma decorrência do nível
atento de observação a este ponto, como de resto a todos os aqui elencados, nos
irá revelando a importância dos registros corporais inexoráveis, que vamos
produzindo em nosso cotidiano! Assim, dores e doenças deixarão de serem nossos
“inimigos” para se tornarem os “sinais” de nossa ignorância a nosso próprio
respeito. A obra a que me referi anteriormente, A Doença como “Caminho”, tem exatamente este sentido. Importante
aqui também a consciência da própria respiração como fator de iniciação ao
verdadeiro repouso. Os atos de inspirar e expirar são normalmente
inconscientes, o que impede a atenção ao corpo, o que é indispensável para o
que denomino de transformações conscientes ou autotransformação. Nesse item
convém ressaltar que no caso de crianças e/ou adolescentes o estreito vínculo
com a tecnologia, desde os vídeo-games, impede um verdadeiro repouso do corpo,
mesmo em momentos dedicados à ludicidade.
6.
O sexto momento
de transformação diz respeito à nossa relação com o universo da tecnologia e
das informações. É notório que hoje, especialmente desde muito cedo, as
crianças estão ligadas à “babá eletrônica”... Não bastasse isso estamos
mergulhados num caótico mundo de outdoors,
revistas em quadrinhos, programas de rádio, computadores, jornais,
celulares, vídeo-games, “i pods”, enfim, toda essa parafernália, que contata o
mundo inteiro. De um lado louve-se a capacidade de contatar o Ser Humano em
qualquer lugar remoto do planeta, mas por outro lado, o risco de um processo de
massificação é evidente. Assim, como nos itens anteriores quero mostrar a
relevância da atenção ao momento presente, sendo que nesse caso, mais do que
nunca, far-se-á mister observar as mudanças inconscientes a que estamos sendo
submetidos. À semelhança de uma verdadeira lavagem
cerebral, vamos recebendo uma profusão de informações, que torna difícil
uma percepção imediata de suas consequências em nossas vidas. Caberá hoje, especialmente ao
educador, trazer para sua sala de aula o despertar crítico de tal quadro para
seus educandos. Não se tratará simplesmente de impedir ou proibir o uso de
qualquer tecnologia, até porque isto seria inútil, mas, sim, despertar o
necessário nível de consciência de seus alunos para perceberem o risco que
vivemos ao permanecermos inconscientes diante de tal situação. Saramago dizia
que se Platão fosse vivo ficaria admirado de verificar o retorno das pessoas ao
“fundo da caverna”. Sim ficamos grande parte do tempo presos às imagens
presentes nas telinhas e perdemos a “Vida” do lado de fora...
7.
O sétimo momento
de transformações nos conduzirá a observar o próprio processo educativo, a que
fomos submetidos. Isto irá incluir, desde a ação da família, como também, eventuais
formações religiosas, e ainda aquilo que decorre da cultura presente em nossa
sociedade como um todo, para finalmente chegarmos à Escola propriamente
dita. Como nos demais momentos, a
reflexão remeter-nos-á às atuais transformações, ou seja, como continuamos a
ser “educados”? Estaremos conscientes do processo? Além desse viés caberá também verificar, em
que medida estamos nós educadores hoje, conduzindo a educação, como instrumento
de conscientização do educando, tal como referido por Paulo Freire, ou, ao
contrário, “mantemos” a tradicional “escola bancária”, mencionada pelo mesmo
Freire, que simplesmente conduz os alunos a serem um “depósito” de informações,
que vai se perdendo com o tempo? Será que nós educadores percebemos, que o
“conscientizar antes de alfabetizar” implicará em trazer o aluno ao processo de
autotransformação, ou seja o autoconhecimento?
8.
O oitavo momento
é aquele que cuida da criatividade. Busca conduzir a reflexão ao primeiro
brincar da criança – manifestação clara de sua criatividade - até os instantes
em que foram ocorrendo os bloqueios a essa criatividade. Vemos hoje que o mundo
adulto largamente perdeu de vista o sentido lúdico da existência! Assim, é
preciso situar a atenção para a retomada de nosso brincar e consequentemente de
nossa criatividade. É preciso que a infinita capacidade do Ser Humano em
transformar cores em quadros, cerâmicas em formas, sons em música, palavras em
textos e assim por diante, seja percebida como realidade objetiva de cada um.
Tal capacidade é com frequência inconscientemente bloqueada pela própria Escola!
9.
O nono momento de transformação é aquele que
enfrenta a questão da possessividade ou apego. Trata-se da relação que desde
cedo se estabelece entre a criança e o mundo que a envolve. São seus pais e seus brinquedos. Na medida em que a criança desenvolve relações
marcadamente possessivas, acentuar-se-á o caráter egoísta do futuro adulto, que
irá pautar sua atuação como voltada à acumulação de bens e ainda uma postura
autoritária em relação a seus pares. A atenção a ser desenvolvida em nossa
relação com coisas ou pessoas precisa crescentemente nos revelar a importância
do partilhar, nos aliviando da extraordinária fadiga do possuir bens
ou pessoas de forma exclusiva. Ainda uma vez são transformações sutis que vão
marcando de forma inconsciente nossa atual personalidade. Assim, verifica-se
como procede a argüição de que “as pessoas não sabem o que estão fazendo”...
Caberá ao educador buscar as transformações indispensáveis a livrar seus
educandos desse universo do apego, aliás, como preconiza o budismo, dentre
outras Tradições.
10. O décimo momento de transformação diz respeito à
questão da religiosidade. É fundamental nesse ponto que se verifique quão
profundamente uma criança é atingida, por mal digeridas normas morais oriundas
de preceitos religiosos! Quanta culpa vai
sendo armazenada e quanto medo vai
cerceando a criatividade e o prazer do jovem! Precisamos retomar a clareza de
princípios universais de todas as religiões, que não só são marcadas pelo Amor,
como também pelo desenvolvimento do Deus
Interior presente em cada ser humano. Outro ponto a ser enfatizado diz
respeito ao encontro da ciência com a fé. Veja-se, por exemplo, como a própria
Igreja Católica, aquela de maior presença no Ocidente, que a partir do Papa
João XXIII começa a abrir suas portas para uma visão ecumênica e de profundo
diálogo com o mundo científico. Os educandos hoje precisam desenvolver uma
consciência da visão junguiana de espiritualidade, que acentua a percepção da
integração do ego com o self, o que vai significar, por parte da ciência, um
fundamental encontro com a religiosidade. O educador deverá ao conduzir reflexões
nessa direção, acentuar o profundo respeito que se deve ter às crenças
individuais, inclusive no que diz respeito a posições agnósticas ou ateias. O
fundamental será acentuar a busca da importância de uma integração de todas as
tendências religiosas ou não religiosas existentes. Um dos cientistas que mais
avançou nessa direção foi Amit Goswami , sendo de grande relevância conhecer o
documentário intitulado “O Ativista Quântico”.
11. O momento
seguinte de transformação diz respeito às questões do medo. Trata-se de observar o quanto nosso corpo
fica marcado, com freqüência até a vida adulta, por medos impostos em tenra
idade. São medos de insetos, do escuro, de fantasmas e tantos outros que vão
nos tornando pessoas inseguras. Não bastassem tais medos primeiros, vamos
adquirindo outros medos, que mais nos amarram: medo da morte, do fracasso, de
adoecer, de envelhecer, de amar, de vencer na vida, de ser assaltado, da
violência como um todo, e tantos outros. Lidar com as transformações
decorrentes de tais medos é como nos outros casos, indispensável para sairmos
de uma das mais terríveis ignorâncias, que é essa vivência plena de temores.
Literalmente deixamos muitas vezes de viver.
Cercamos-nos de seguros, armas, vidros escuros nos automóveis, deixando que
um processo entrópico se instale em nossas vidas. Curioso exemplo da origem
desses medos é a inconsistência da maioria deles, o que nos é revelado por
crianças com quem desenvolvemos esse trabalho e que quando indagadas: “-que
medos vocês têm?” – uma responde:
“-tenho medo de baratas”. Ao ser arguida
no sentido óbvio de que a barata é que deveria ter medo dela, dada a
diferença de tamanho e a inofensividade
do inseto, a criança responde de imediato: “-então por que minha mãe tem medo?” Ou seja, o medo não era da barata,
mas sim um medo transferido pela
mãe... Quantos de nós não adquirimos medos
semelhantes? Assim, a tarefa do educador será tornar consciente a origem dos medos buscando uma transformação indispensável para uma vida saudável. Na verdade,
podemos considerar o medo como sendo o
grande obstáculo ao Amor!
12. O momento seguinte diz respeito à liberdade. Trata-se
de resgatar o movimento da liberdade, como ação do Homem integral e não
simplesmente uma questão de ultrapassar limites, situados permanentemente, de
fora para dentro. Buscar-se-á levar o educando a percepção da liberdade, como
um processo crescente de autotransformação, onde irá germinar a plenitude da
relação humana. Jung denominava a integração do ego com o self, como já me
referi, como sendo a realização do processo de individuação, ou seja, a
vivência plena do ser humano. Há nisso um mistério curioso, que diz respeito ao
sentido profundo do que seria o nosso “self”... Sim, nenhum outro ser vivo
desenvolve esta busca de liberdade presente ao ser humano... O mundo animal e
vegetal já nasce de certa forma, “pronto”... O único Ser Vivo, conhecido, a ser
educado e a usar o “livre arbítrio” na sua realização é o ser humano! O
mistério de nosso “self” envolverá exatamente a profundidade do “conhece-te a
ti mesmo” apregoado por Sócrates... Sinto que a melhor metáfora para “explicar”
nossa essência, ou seja, nosso “self” é o Amor! Sim, as Tradições,
especialmente a cristã que nos é mais próxima, afirma que “Deus é Amor e o
Homem Sua Imagem e Semelhança”... Curiosamente tal metáfora do Amor irá
explicar a raiz da “liberdade”, pois nenhum Pai consegue “exigir” amor do
filho... Poderá exigir obediência ou respeito, mas “amor” será sempre fruto de
um querer livre... Por isso é que no momento que Teilhard de Chardin anunciava que
o Ser Humano chegava ao ponto Ômega, num processo de conscencialização, (que
não deixa de ser a conscientização, trazida por Freire) é que vamos ter pela
primeira vez na História o surgimento de ONGS, ou seja, organizações que nascem
de um voluntariado, como “Médicos sem Fronteira” ou “Anistia internacional”,
dentre outras. Será uma vivência social desse Amor que se torna consciente. Vê-se,
assim, a importância de se trabalhar esse “despertar” para a verdadeira consciência
da liberdade, transformando as “prisões” que nos bloqueiam desde crianças.
13. A seguir temos
as transformações referentes à questão da Justiça. A tarefa aqui será o
confronto entre o legalismo de um
lado e a justiça de outro. Trata-se
da verificação da medida em que nos deixamos ir perdendo a sensibilidade do justo em detrimento do legal. No processo educativo
colocar-se-á aqui a discussão indispensável de todo o sistema avaliatório, seja
discente, seja docente. Será a transformação, já em andamento, de avaliações
quantitativas para avaliações qualitativas, de forma descritiva. É preciso que
o educando sinta a vivência de justiça presente às suas avaliações e não
simplesmente a imposição de provas e notas da chamada “escola bancária”
denunciada por Freire. Há uma transformação fundamental a ser realizada nas
Escolas onde se colocará ponto final na ideia de “maus e bons alunos”. A
ignorância precisa ser superada, mas a pior ignorância é muitas vezes a do
próprio educador que não se da conta que o aluno não tem “culpa” de seu “não
saber”... Se Jesus Cristo ao ser crucificado perdoava seus assassinos
proclamando a famosa frase: “Pai perdoai porque eles não sabem o que fazem” ,
porque nós educadores “condenaríamos” nossos alunos em processo de aprendizado?
14. O penúltimo
momento de transformação diz respeito à questão da igualdade. Serão examinadas
aqui as discriminações que vão se infiltrando em nossa existência, tanto nos
tornando discriminados como discriminadores... Passar-se-á por questões
religiosas, raciais, sexuais, econômicas e outras que possam implicar em marginalizações. Hoje
se faz presente na Educação aquilo que denominamos de Inclusão, que está
caminhando na direção da transformação aqui apontada. É preciso observar que
grande parte da violência presente nas escolas, como por exemplo, o “bulling” é
fruto exatamente de descriminações ainda não trabalhadas.
15. Finalmente o
último momento de transformação nos remeterá ao exame da questão ambiental. Deve
ser examinada a maneira como vimos poluindo o meio ambiente de forma
frequentemente inconsciente, sem nos darmos conta de que poderemos ser uma das
primeiras vítimas... Nessa parte constataremos que as transformações que
podemos operar em nós mesmos terminam implicando em mudanças no em torno de
nós. É preciso despertar a consciência de que nosso corpo físico faz parte da
ecologia global do planeta... Cuidar do corpo será o despertar da consciência
para cuidar do planeta...
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